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O risco oculto de dimensionar PCHs a partir da série de vazões mensais

Atualizado: 30 de abr. de 2021

O gerador cumpre na íntegra a Portaria MME nº 463/2009 e é penalizado. Pode isso Arnaldo?


No mês passado apresentamos os impactos da definição da Garantia Física de uma PCH a partir de sua série histórica de vazões passadas, em sua forma mais extensa e atualizada possível, conforme determinam as diretrizes do setor, Portaria nº 463/2009, do Ministério de Minas e Energia (MME).


Na ocasião, concluímos que uma série histórica de vazões mais extensa pode não ser a mais adequada para previsão dos anos vindouros quando se trata de geração de energia, e isto por conta do efeito cumulativo das alterações que uma bacia hidrográfica sofre com o tempo. As mudanças que impactam o volume de água que corre para os rios estão, muitas vezes, mais ligadas às alterações físicas da bacia, como perda da cobertura florestal e aumento das áreas urbanas e taxa de impermeabilização do solo, por exemplo, do que ao próprio regime de chuvas e recarga dos aquíferos.


Assim, ainda que com o passar dos anos o volume de chuvas e sua distribuição temporal venham a ser as mesmas (o que nem sempre ocorre), as transformações de uso e ocupação do solo que a bacia sofreu dão uma cara significativamente distinta para o hidrograma do rio, impactando diretamente a geração de energia do empreendimento.


Hoje o objetivo é apresentar um outro ponto falho nesta metodologia prevista na Portaria do MME, que é a utilização da série histórica de vazões médias mensais, e não diárias, para definição do montante de Garantia Física das pequenas hidrelétricas.

Figura 1: Exemplo da simplificação que a vazão média mensal traz para um hidrograma mensal de vazões.



A média e suas consequências


Como bem sabemos, rios e pequenas hidrelétricas não operam de forma discreta no tempo, mas sim de maneira contínua, e por isso é muito bom tomar cuidado com o termo “média” quando estamos analisando estes tipos de variáveis. Os gráficos a seguir ilustram a discussão.


Em azul temos as flutuações diárias de vazão no rio dos Patos, interior do Paraná, durante os meses de maio e junho de 2019, e em laranja está indicada vazão média obtida para cada mês.

Figura 2: Hidrograma do rio dos Patos, em Prudentópolis - PR.


Note que a média, no caso específico desses dois meses, traz pouca ou quase nenhuma informação de relevância que represente fielmente um diagnóstico local, justamente porque ela foi "puxada para cima" pelos dois eventos mais úmidos que ocorreram no rio, distorcendo a informação de maior relevância quando se trata de geração de energia - as vazões de maior permanência (mais recorrentes e, portanto, representativas).


Agora o impacto na geração


Suponha uma PCH hipotética, apenas para fins de simulação, com as seguintes características:

  • 25 m de queda líquida;

  • 55 m³/s e 14 m³/s de vazão turbinada e de corte, respectivamente;

  • 89% de eficiência do conjunto turbina/gerador.

No gráfico seguinte está mostrado o histórico de potência de geração para o mesmo período anterior - maio e junho de 2019. Em azul, está a potência de geração a partir da vazão diária com o que teria sido gerado de fato, operacionalmente falando, e em laranja, o que a norma diz que devemos considerar, ou seja, a geração a partir da vazão média mensal.

Figura 3: Potência de geração do empreendimento hipotético com 12 MW de potência instalada.


Dos dias 02 ao 23 o rio sequer tinha água suficiente para “girar a turbina”, e foi só no dia 24 que sua operação pode ser iniciada a plena carga (potência Instalada), flutuando até o fim do mês, e encerrando nos mesmos 12 MW. O mesmo raciocínio vale para o mês de junho, quando a usina iniciou a operação a plena carga e do dia 06 em diante teve sua potência de geração reduzida, até ser desligada no dia 22, e seguir desligada até o dia 25, para então voltar a flutuar positivamente para 12 MW e fechar com 5,6 MW.


Segundo a metodologia do setor, que a Portaria determina, pelo gráfico se extrai que nos meses de maio e junho a usina operou constantemente com 7,7 MW e 12 MW de potência, respectivamente.


O impacto dessa diferença das potências é chocante aos olhos e está demonstrado na tabela a seguir.



Isso mesmo, quem olha no retrovisor e avalia os meses de maio e junho de 2019 à partir da vazão média mensal fica com a expectativa mais que dobrada em relação à realidade*, e isso gera um efeito dominó em todo o sistema.


Diversos empreendimentos têm sua Garantia Física errada homologada, impactando o montante de Garantia Física do sub-sistema, que impacta o do sistema. Quando as PCHs entram em operação, verifica-se que o montante de carga gerado é bem menor que o projetado, incorrendo em prejuízos milionários para todos os agentes. A partir do descontentamento com a situação, começam as judicializações do setor.


Motivos de descontentamento é o que mais tem, e o principal é esse: os geradores são penalizados por serem obrigados a cumprir diretrizes que, dia após dia, se mostram mais desatualizadas.


*A maior parte das estações fluviométricas do país não dispõem de monitoramento horário, ou de 15 em 15 minutos, que seriam os mais adequados para dimensionamento e gerenciamento de operação.


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