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Minha PCH está gerando mais e não sou remunerado por isso?

Atualizado: 26 de abr. de 2021

E assim o MME/ANEEL deixa de lado a análise técnica e crítica e dá lugar ao cumprimento de normas desatualizadas.


No mercado financeiro existe uma frase que todo dia pelo menos um especialista insiste em citar: o futuro não repete o passado, mas rima.


Em se tratando de ciclos hidrológicos e geração de energia de empreendimentos hidrelétricos, será que essa frase faz sentido? Os ciclos passados dos últimos anos têm sido bons indicadores dos seus ciclos futuros? Pode-se dizer que o comportamento hidrológico de algumas bacias hidrográficas nos últimos 40 anos é o mesmo dos seus 40 anteriores? A metodologia que o setor nos empurra goela abaixo hoje seria a mais adequada para definição e homologação de Garantia Física dos aproveitamentos hidrelétricos?


Para responder essas perguntas nada melhor do que analisar pelo retrovisor, bem da maneira como os especialistas gostam de fazer.


Mas antes um nivelamento


Hidrelétricas com operação à fio d’água, ou seja, sem reservatórios para geração de energia em épocas de estiagem, operam conforme a dinâmica dos rios. Então se o rio está cheio, a usina opera a plena carga, limitada na sua potência instalada, mas se o rio está baixo, reduz-se também a sua geração até que a turbina, automaticamente, para de funcionar por questões operacionais.


Assim, se você tem interesse em desenvolver um potencial hidrelétrico, o primeiro tema que você precisa se dedicar a estudar, sem dúvidas, é Hidrologia. O motivo é simples, sem o volume de água que existe disponível em um trecho do rio, é impossível avaliar se o investimento vale a pena e se paga no longo prazo. Mas não basta saber quanto de água está passando hoje, é importante que se tenha uma série histórica de medições naquele trecho.


É aí que entram as metodologias do setor.


Atualmente, para você garantir um contrato longo e seguro de venda de energia, o Ministério de Minas e Energia (MME) precisa homologar a Garantia Física do seu empreendimento, que nada mais é do que uma previsão, com base na série histórica de vazões passadas do rio, de quanto o seu empreendimento vai gerar de energia no futuro.


Todo o seu projeto fica resumido, a partir daí, à Garantia Física. Um número que representa o montante de energia que você pode comercializar pelos próximos anos. De forma simplista, daqui para frente, se sua Garantia Física foi homologada em 10 e você gerou 15, você recebe por 10, ruim, né? Se gerou 5, você também recebe por 10, bom né? Os detalhes de quem paga e quem recebe é assunto para outro post.


Conforme dispõe a Portaria nº 463/2019, para se chegar nessa Garantia Física o MME coloca que o agente deve considerar uma série de vazões "não inferior a trinta anos, e gerado de maneira que esse seja o mais extenso e atualizado possível". Ou seja, se o rio em que você pretende desenvolver seu potencial tem medições desde 1930, você deve considerar a série de vazões para o dimensionamento do seu empreendimento desde 1930, nada de cortar a série em 1990 e utilizar somente os últimos 30 anos. Eles reprovam.


Pois bem, mas será que faz sentido?


Como estamos no Paraná, vamos analisar por aqui duas PCHs hipotéticas, a PCH Quase UHE e a PCH Quase CGH, cada uma com seus 25 metros de queda natural e inseridas em duas bacias distintas, mas vizinhas. A PCH Quase UHE está localizada no rio Tibagi, bem próximo ao município homônimo, e a PCH Quase CGH está localizada no rio dos Patos, no município de Prudentópolis. As áreas de drenagem dos dois empreendimentos são 8.948 km² e 1.086 km², respectivamente.


Agora abstraia. Back-test funciona assim.


Imagine que o ano é 1975 e você descobriu esses dois potenciais. Assim, seguindo a metodologia do MME de séries passadas mais extensas possíveis, decidiu dimensionar os aproveitamentos para os próximos 45 anos, de 1976 a 2020.


Os gráficos abaixo mostram, em azul, os resultados esperados para os próximos 45 anos, levantados lá em 1975, e em laranja, o que de fato ocorreu nos 45 anos seguintes.

A forma como está demonstrada é o que chamamos de curva de permanência. No eixo X é apresentada a % do tempo em que a PCH gerou acima da potência demonstrada no eixo Y. Exemplo: para a PCH Quase UHE, em praticamente 80% do tempo (eixo X) o empreendimento teve rendimento 45% acima das expectativas em (16 MW gerados de fato sobre 11 MW previstos). Em 50% do tempo, dia sim, dia não, 32% acima das expectativas (29 MW sobre 22 MW). Para a PCH Quase CGH o rendimento foi de 33% e 40% acima das expectativas para as mesmas permanências de 80% e 50% do tempo, respectivamente.


Imagine como foi penalizado um agente gerador que dia sim, dia não, durante 45 anos (sei que o prazo de outorga tem duração menor), teve 32% do seu montante de geração subtraído por simples questão regulatória? Supondo uma venda de energia a R$ 200/MWh, sem considerar correções, estamos falando de um impacto de faturamento de mais de R$ 12 milhões por ano no caso da PCH Quase UHE e R$ 1,7 milhão por ano para a PCH Quase CGH.


Olhar pelo retrovisor é fácil


É claro que o impacto não é tão significativo assim. Existem mecanismos de revisão de Garantia Física previstos a partir do quinto ano de geração, com base no que, de fato, foi gerado nos últimos 5 anos. Dessa forma, no longo prazo, a curva de geração e da Garantia Física tendem a se sobrepor.


Mas onde quero chegar é na análise para os primeiros 5 anos, em que o empreendedor e os técnicos acabam sendo obrigados a descartar qualquer análise mais aprofundada de dinâmica de vazões, alteração de uso e ocupação do solo na bacia, estacionariedade de vazões e chuvas, para dar lugar ao simples atendimento de uma norma sem fundamentação prática.


Isso sem entrar no mérito das séries diárias e mensais de vazões. Mas isso também é assunto para um outro dia.

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